GUILHERME DABLE
27.08.13 a 28.09.13
Estratégias de fragmentos Álibis, Desvios e Atos Falhos sedimenta um caminho para o qual a obra de Guilherme Dable se dirigia com naturalidade. Isso é atestado especialmente pela peça tridimensional que o artista gaúcho instala na maior sala expositiva da galeria Eduardo Fernandes. A primeira individual de Dable em São Paulo apresenta um conjunto fluido de trabalhos, em que a pintura, o desenho, a escultura e a instalação são linguagens que se mesclam e geram resultados de difícil determinação, mas dotados de sentidos e significados móveis e inquietos. O caráter híbrido de Álibis... ganha essa síntese em agora por favor dê-se ao trabalho de ir lá buscá-los, peça algo escultórica, algo pictórica, algo de desenho expandido. Materiais de ateliê, resíduos da urbanidade paulistana coletados nas proximidades da galeria e elementos construídos configuram uma obra que transita entre a rigidez e a fragilidade. Assentada num equilíbrio precário, desafia a força gravitacional e pede que o observador a circunde para perceber o máximo de sua integridade. Planos, paus, ripas e fitas exemplificam uma materialidade variada, indo do viscoso e do liquefeito ao mais sólido. O aço corten manchado, as máscaras que geometrizam faixas de cor, os negros velcros, a superfície cromática reflexiva, a vaselina e o asfalto escorreitos, a madeira venosa de andaime a funcionar como ‘esqueleto’ da peça, são todos elementos que, reunidos, terminam por formar um bric a brac que dialoga com os outros trabalhos da exposição e com o próprio cubo branco, mas sem deixar de ostentar uma particularidade. Assim, é como se planos de cor bidimensionais ganhassem corporeidade, como se linhas e volumes do desenho fossem realizados com coisas reais, do mundo, e como se uma colagem projetual tivesse uma concretude, com profundidade e perspectiva. E é por meio de um efeito sinestésico que o conjunto de Álibis... se fundamenta. Nada forçado, pois Dable extrai da música vetores importantes de sua producão visual, como o ritmo. Nisso, é relevante lembrar de Tacet, projeto constituído de desenhos e performance na qual o som é parte fulcral, exibido dentro do programa Rumos Artes Visuais. Formas, zonas de cor e escorridos têm elos presentes em todo o espaço, em obras cujos títulos vêm da poesia. E as letras encontram a arquitetura por meio de uma leitura transversal, em que projeções, rebatimentos, luz e esboços sugerem o que na teoria da arquitetura e do urbanismo se conhece por ‘estratégias de fragmentos’. “A aceitação de uma realidade caracterizada pela dispersão e pela diferença, pela soma, pela sobreposição e pelo choque entre peças e fenômenos conduz a sistemas que nada mais são do que uma recomposição de fragmentos. [...] A fragmentação é a forma mais genuína da condição dispersa da pós-modernidade, e quando se torna essa condição híbrida como ponto de partida, quando se resiste à tentação da unidade, identidade e metafísica, recorre-se a mecanismos que recompõem certa totalidade, múltipla e fragmentária, como o mosaico, a colagem, a montagem, a ensambladura ou a sobreposição”1, escreve o téorico Josep Maria Montaner. Dable, então, cria uma região flutuante ao estabelecer fecundos diálogos entre obras como a hora em que o vento sopra de estrelas extintas e então, gradualmente, você acorda novamente e prossegue e as paisagens de horizontes cerrados e estreitos existentes tanto nas cercanias da galeria de SP como no ateliê onde produz diariamente, em Porto Alegre. Se o artista passara a infância em uma residência de linhas modernistas na av. Carlos Gomes, capital gaúcha, o vazio e a harmonia que predominaram nessa urbe de outrora parecem ter se cindido, criando um novo lócus, de capilaridade densa e pontos de fuga cegos. E é desse árido cenário que Guilherme Dable manifesta, diariamente, seu exercício de resistência, ao burilar uma poética de potência indubitável, mesmo que barulhenta, rugosa e permeada por acidentes. Mario Gioia Graduado pela ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), coordena pelo terceiro ano, em 2013, o projeto Zip'Up, na Zipper Galeria, destinado à exibição de novos artistas e projetos inéditos de curadoria. Foi o curador de Ela Caminha em Direção à Fronteira, de Ana Mazzei, primeira individual da série de exposições Zip'Up em 2012 (no ano, também houve Lugar do Outro, de Julia Kater, Transmission, de Geraldo Marcolini, Íntima Ação, de Carolina Paz, Planisfério, de Marina Camargo, Requadros, de Mariana Tassinari, e a coletiva Imagem Mi(g)rante). Em 2012, também fez as curadorias de Incerto Limite, de Shirley Paes Leme (Bolsa de Arte, Porto Alegre); Miragem, de Romy Pocztaruk, e Distante Presente, de Gordana Manic (ambas na galeria Ímpar). Em 2011, inaugurou o projeto Zip'Up com a coletiva Presenças (que teve como outras mostras Já Vou, de Alessandra Duarte, Aéreos, de Fabio Flaks, Perto Longe, de Aline van Langendonck, Paragem, de Laura Gorski, Hotel Tropical, de João Castilho, e a coletiva Território de Caça, com a mesma curadoria). Em 2010, fez Incompletudes (galeria Virgilio), Mediações (galeria Motor) e Espacialidades (galeria Central), além de ter realizado acompanhamento crítico de Ateliê Fidalga no Paço das Artes. Em 2009, fez as curadorias de Obra Menor (Ateliê 397) e Lugar Sim e Não (galeria Eduardo Fernandes). Foi repórter e redator de artes e arquitetura no caderno Ilustrada, no jornal Folha de S.Paulo, de 2005 a 2009, e atualmente colabora para diversos veículos, como as revistas Bravo e Bamboo e o portal UOL, além da revista espanhola Dardo e da italiana Interni. É coautor de Roberto Mícoli (Bei Editora), Memória Virtual - Geraldo Marcolini (Editora Apicuri) e Bettina Vaz Guimarães (Dardo Editorial, ESP). Faz parte do grupo de críticos do Paço das Artes, instituição na qual fez o acompanhamento crítico de Black Market (2012), de Paulo Almeida, e A Riscar (2011), de Daniela Seixas. É crítico convidado do Programa de Fotografia 2012/2013 do CCSP (Centro Cultural São Paulo). 1. MONTANER, Josep Maria. Sistemas Arquitetônicos Contemporâneos. Barcelona, Gustavo Gili, 2009, p. 148