PATRICIA REBELLO | HERBÁRIO DO AMANHÃ
01.09.2022 — 01.10.2022
“As obras da artista nascem a partir de monotipias não-tradicionais, que alimentam o surgimento dos primeiros corpos celulares como se fossem vistos através das lentes de um microscópio.”
Espécimes hibridas, mutantes, que, na expectativa da vida, capturam materiais diversos que flutuam pelo ambiente, incorporando-os. O que poderia ser o fim, lhes traz benefícios, gerando a tais organismos longevidade num futuro pós-humano. Como Georg Dionysius Ehret, Carl Linnaeus ou Margaret Mee fizeram um dia pela história da documentação botânica, trazendo benesses ao conhecimento vegetal para as atuais gerações, a paulistana Patricia Rebello realiza no presente-futuro, em uma tentativa de prever os seres que estão por vir. Criaturas celulares, imbuídas de cores e fragmentos diversos que compõem o mundo contemporâneo, são ora fotografadas em vida compondo seu atual habitat, ora retiradas dele e postas à prova para um estudo minucioso premonitório. Navegando por este universo de seres imaginários nasce a exposição Herbário do amanhã, primeira individual de Patricia Rebello na Galeria Eduardo Fernandes.
As obras da artista nascem a partir de monotipias não-tradicionais, que alimenta o surgimentos dos primeiros corpos celulares como se fossem vistos através das lentes de um microscópio. Em vez de pentes que unificam tal processo, Patricia respinga a tinta acrílica, criando um gotejo aleatório que percorre o papel. No processo, ela refaz este percurso sequencialmente sem nunca desaguar em um mesmo resultado. Cada camada marmorizada cria uma paisagem distinta, que interfere na próxima e na seguinte, desabrochando em uma única peça um universo de possibilidades. A partir deste oceano cromático brotam tentáculos tridimensionais, que ganham corpo em colagens suspensas da bidimensionalidade das obras.
Tais seres futuristas compõem também a catalogação central exposta em um pergaminho no meio da galeria. Ali, o site specific desenvolvido especialmente para esta mostra tem em seu início uma espécie de capa, na qual vemos o plasma formado por uma monotipia. Dentro dele, no entanto, tais seres flutuam em meio ao branco, impressos em filme poliéster que lhes traz a volumetria necessária para criarem corpo. Entre um organismo e outro, anotações da artista brotam de forma delicada e precisa, na ânsia de inventariar cada trecho que compõe a criatura.
Sua produção já estabelecida nos coloca frente a frente a um interessante jogo que vela e revela. Entre suas inúmeras camadas, conseguimos reconhecer vez ou outra artigos alheios, tão utilizados em nosso mundo e que chegamos a usar incansavelmente, mas que também acabamos por descartar, transformando-os em resíduos para a eternidade. E é com imensa surpresa, talvez até com certo conforto, que descobrimos sua incorporação por essas novas espécimes que habitam a obra de Patricia. Seu corpo de trabalho nos dá a certeza de que o despejo criado pelo ser humano provocará apenas sua própria extinção. O mundo ressurgirá, como já fez e fará. E a quem interesse, aqui estão os registros e estudos de um possível futuro reabitado.
Ana Carolina Ralston – Curadora
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