“PÁTRIA AMADA?”: OU UMA CANÇÃO DO EXÍLIO PARTICULAR.
A primeira visão de “Pátria amada?” de Edgar Racy sugere para o observador a aplicação lúdica da disciplina construtiva, em que formas geométricas se repetem em pequenos conjuntos de diferentes sequências combinatórias, criando a sensação de um jogo no qual o trabalho teria seu sentido revelado. Mas a delicadeza e a sutileza desses pequenos desenhos enganam: depois do primeiro estímulo visual, num olhar detido e aproximado, percebe-se a existência de palavras livremente impressas em baixo relevo acompanhando cada composição. “Amor eterno”, “Braço forte”, “Brilhou no céu”, “De amor”, “Dessa igualdade”, “Essa grandeza”, “Idolatrada”, “És tu Brasil”, “No teu seio”, “Ó liberdade”, “Nossos bosques”, “Terra adorada”, entre outras, trazem à mente o hino pátrio, assim desconstruído e reorganizado numa nova sequência aleatória. Esses fragmentos de frase, quase como ruínas de uma paisagem fictícia, produzem de imediato imagens por meio da música que evocam: breves instantâneos de uma promessa de país, como um desejo acalentado por muito tempo, e que se encontra em desmonte.
Por isso, não consigo deixar de pensar nesse trabalho como uma nova canção do exílio, na qual Racy registra, ao repetir as palavras tão banalizadas do hino nacional, o sentimento de luto e melancolia pela perda do lugar, “a pátria amada”, que não existe mais. No entanto, o trabalho não deixa de ter um certo humor. A partir das formas geométricas da bandeira do Brasil (o retângulo, o losango e o círculo), Racy inventa paisagens pela combinação casual dos três elementos que, reconfigurados, carregam uma ambiguidade aberta a um futuro, no mínimo, de outras possibilidades.
Desde seus trabalhos anteriores, o artista explora a materialidade das obras pela reutilização de resíduos (plástico, vidro, serragem, telhas, tijolos, tecido, entre outros), que são manipulados até perderem seu aspecto reconhecível, para enfim servirem como matéria para construção de pinturas, esculturas e desenhos quase minimalistas. No caso da série em questão, Racy escolhe trabalhar com carvão, o que não deixa dúvida sobre as implicações políticas do trabalho. Rico em carbono, por um lado o carvão remete ao grafite e à tinta negra utilizada para impressão de gravuras, sendo um material presente há muito tempo na história da arte para produção de inscrições e figuras(1). Por outro lado, enquanto combustível o carvão é símbolo da revolução industrial iniciada no século 18, e que culmina hoje com a destruição total do meio ambiente. Além disso, é preciso lembrar que nos últimos dois anos as florestas brasileiras sofreram queimadas criminosas que resultaram em um índice elevado de desmatamento. Neste sentido, para alguém que vive no Brasil hoje, a cor e a textura do carvão remetem às cinzas de madeira e às nuvens de fumaça negra que invadiram as cidades brasileiras nos últimos anos.
Taisa Palhares
(1) Lembramos que a “arte rupestre” já utiliza o carvão como material artístico.