EDUARDO CLIMACHAUSKA | HO-BA-LÁ-LÁ

11.08.11 a 24.09.11 - HO-BA-LÁ-LÁ | Eduardo Climachauska
Texto de Mario Gioia

HO-BA-LÁ-LÁ  | Eduardo Climachauska

Zona de exclusão

“Uma situação ótica e sonora não se prolonga em ação, tampouco é induzida por uma ação. Ela permite apreender, deve permitir apreender algo intolerável, insuportável. Não uma brutalidade como agressão nervosa, uma violência aumentada que sempre pode ser extraída das relações sensório-motoras na imagem-ação. Tampouco se trata de cenas de terror, embora haja, às vezes, cadáveres e sangue. Trata-se de algo poderoso demais, ou injusto demais, mas às vezes também belo demais, e que portanto excede nossas capacidades sensório-motoras.”1

A formulação de Gilles Deleuze a respeito de Stromboli (1950), de Roberto Rossellini, “uma beleza grande demais para nós, como uma dor demasiado forte”, veio para mim quando, no andar de dimensões amplas em Pinheiros, na barulhenta rua Cardeal Arcoverde, em meio a uma profusão de molduras, vidros, guilhotinas, telas com betume, outras com zinco e cal, Eduardo Climachauska me explicava os elos entre a formação em cinema na ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo) e a produção plástica. Os enquadramentos de Ozu e o ritmo tão próprio de Antonioni foram sublinhados pelo artista, mas, enfim, quem invadiu o meu olhar, frente às novas peças do paulistano, foi o diretor de Viagem à Itália (1954).

Pode parecer estranho, a priori, relacionar fotogramas à aparentemente tão basilar característica das três esculturas que Climachauska instala na galeria Eduardo Fernandes na individual Ho-ba-lá-lá. No entanto, ao percorrermos a trajetória do artista, percebemos que tais diálogos são possíveis. O caráter algo “congelado” das esculturas, que utilizam mármore, cabos de aço e madeira, dá o tom, mas observadas em uma sequência, as obras ostentam uma maior amplidão, uma vontade tridimensional cada vez mais ambiciosa, que nos conduz para formas virtuais agigantadas. E, na produção mais recente, o conjunto das esculturas Bim Bom (expostas no Centro Cultural São Paulo), Mamute (na SP Arte) e, agora, Ho-ba-lá-lá, cria uma vereda na obra de Climachauska, ao exigir proporções cada vez maiores nesse preencher crescente do espaço. Ao mesmo tempo, não seria estranho se o artista abdicasse de tal materialidade e optasse por uma enorme videoinstalação a posteriori, por exemplo. Seria coerente com os procedimentos do autor do enigmático vídeo Iluminai os Terreiros (2006), feito em conjunto com Nuno Ramos e Gustavo Moura.

“Quero jogar o público nessa zona incômoda, desconfortável”, afirma o artista, que dispõe os três trabalhos no cubo branco da galeria de forma a barrar a fluidez de um caminhar tranquilo. A placidez não está presente no vocabulário plástico de Climachauska. Suas produções que quase agridem e interpelam asperamente os interlocutores têm lastros em alguns nomes nacionais _A Negra (1997), de Carmela Gross; Exteriores (1999), de Frida Baranek; as várias intervenções de Nelson Felix no Artecidade; entre outros. Porém, em âmbito internacional, deve ser ressaltada a linha experimental de trabalhos feitos por adeptos da arte povera, como Luciano Fabro, e artistas hoje mais incensados, como os norte-americanos Chris Burden e Fred Sandback, mas que, décadas atrás, tinham grande dificuldade em encontrar eco no sistema de arte. A beleza e a dor notadas por Deleuze em Stromboli, espalhadas em rigorosas projeções espaciais de todos esses artistas e de um Gordon Matta-Clark, elencando mais um nome, cuja grandeza da obra agora é percebida mais justamente.

De Sandback, Climachauska extrai um componente elegante na construção apurada do suporte e das finas tiras de aço. O conjunto possui a função de unir as paredes do espaço expositivo ao maciço mármore das esculturas, que pode chegar a 500 kg de uma massa que pende perigosamente muito próximo do passante. A pedra escolhida poderia aludir a um Brancusi ou a um Sergio Camargo, mas a pesquisa poética de Climachauska tem mais a ver com os objetos de argila de Anna Maria Maiolino, por exemplo, quando ela, em 1997, no projeto InSite, na fronteira de México e EUA, optou por fazer obras de argila. Uma volta ao mais fundamental, a terra, cujo componente político se moldou e revelou-se ser mais marcante, em meio a um território conflagrado. Ho-ba-lá-lá tem essa mesma potência guardada, latente, cuja iminência de explosão é uma ameaça que desestabiliza e nos faz lembrar que os dias de calmaria são raros.

No entanto, paralelamente, Climachauska exibe a beleza das coisas mais triviais e insuspeitas de nobreza. Numa composição em que o ritmo é fundamental _a lembrar, Climachauska é um ótimo compositor de sambas_, o artista apresenta uma série desenvolvida inicialmente em 2007, na qual cria objetos com cal, zinco e acrílico. Dotados de uma regularidade que remete aos nossos construtivos, contudo, o cal dos canteiros de construção _lembremos da música de mesmo título, de Chico Buarque_ e o metal barato _vem à memória Barracão de Zinco, na voz de Elizeth Cardoso ou Beth Carvalho_ dão às peças de parede uma instabilidade viva, que nunca conforta o olhar mais atento. Algo que Climachauska já apresentara nas séries Metade Terra (2005), acrílicas e betume sobre papel, Rua Belgrado(2008), óleos, betume e carvão sobre tela, e nas fotografias de Agosto (2002). Neste último agrupamento, os registros de uma madrugada povoada por cães de visada fixa e fogueiras de crepitar contínuo atestam a postura arrojada do artista, num mergulho cego que pôde captar e eternizar a ruidosa, crispada e cinzenta beleza da urbe contemporânea.

Mario Gioia

    

Graduado pela ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), foi o curador, em 2011, de Presenças (Zipper Galeria), inaugurando o projeto Zip Up, destinado a novos artistas (que teve como outras mostras Já Vou, de Alessandra Duarte, e Aéreos, de Fabio Flaks, com a mesma curadoria). Em 2010, fez Incompletudes (galeria Virgilio), Mediações (galeria Motor) e Espacialidades (galeria Central), além de ter realizado acompanhamento crítico de Ateliê Fidalga no Paço das Artes. Em 2009, fez as curadorias de Obra Menor (Ateliê 397) e Lugar Sim e Não (galeria Eduardo Fernandes). Foi repórter e redator de artes e arquitetura no caderno Ilustrada, no jornal Folha de S.Paulo, de 2005 a 2009, e atualmente colabora para diversos veículos, como as revistas Bravo e Trópico e o portal UOL, além da revista espanhola Dardo. É coautor de Roberto Mícoli (Bei Editora) e faz parte do grupo de críticos do Paço das Artes.

 

1. DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo. Brasiliense, São Paulo, 2009, p. 28 e 29