GUGA SZABZON E HENRIQUE CESAR | LUGAR SIM E NÃO

30.09.09 a 31.10.09

Coordenadas e Roteiros
 
A obra de Henrique César tem um quê de roteiro cinematográfico. Ela parece apontar para espaços interditos e não explorados, que escondem segredos indizíveis ou circunstâncias de horror. Lembram a perplexidade dos ambientes de “A Estrada Perdida”, “Cidade dos Sonhos” e “Império dos Sonhos”, filmes de David Lynch, nome imprescindível para se entender a contemporaneidade.
 
No entanto, o onírico, essencial na cinematografia lynchiana, é pouco sentido em César. Suas pinturas exibidas aqui retratam locais íntimos com status de não lugares. Seu projeto híbrido “Estudo sobre o Espaço Negativo” (no qual mesclou de modo brilhante desenho, fotografia, vídeo e objeto, com uma forte crítica institucional e que serviu como seu trabalho de conclusão de curso em artes na Faap), questiona a urbanidade compartimentada e as relações entre público e privado tão comuns em uma cidade como São Paulo. E sua intervenção/ação “Barcão” busca dar uma pequenez poética a uma paisagem desgastada.
 
Tal paisagem paulistana marca o estilo de César e dialoga com sua amiga de curso e desta exposição, Guga Szabzon, que constrói maravilhosos universos pontuados por linhas e traços obsessivos, produzidos em uma corriqueira máquina de costura Singer. Seus mapa-múndis estabelecem fronteiras e limites imaginários a partir do que foi estabelecido por convenções geográficas. Suas superfícies, expostas em telas de grande ou pequeno formato, revelam com fartura de cores e formas o avesso da ação industrial e agressiva do trinômio agulha/linha/papel.
 
Os desenhos presentes na mostra podem ser observados como desdobramentos de séries anteriores da artista. Em “Outras Cartografias”, Szabzon extirpa nomes de países, ilhas e acidentes geográficos de páginas de atlas em desuso. “Lugar Nenhum” exibe continentes fictícios criados a partir de territórios existentes, que, fragmento a fragmento, se unem e ganham uma outra “vida”. Já “Novos Lugares” consiste em intervenções sobre uma película fotográfica que dão forma a novos espaços. 
 
Ao unir os trabalhos dos dois novos artistas, “Coordenadas e Roteiros” joga luzes em duas trajetórias que, por procedimentos variados, têm uma forte carga de questionamento da identidade. Os ambientes carregados de mistério de César se aproximam de metáforas visuais do espanto que os jovens sentem justamente pelo turbilhão de informações, imagens, pensamentos e desastres de hoje. Szabzon coloca em crise a todo tempo as classificações e os lugares que nos são impostos (e, por extensão, o poder geopolítico e o status quo). Criando paisagens imaginárias em finas folhas de papel e com delgadas linhas de costura, utilizando elementos de ar low-fi, ela parece querer expor de maneira intensa a possibilidade de criar cartografias, universos e lugares alternativos. Um outro mundo é possível, a partir da arte.
 
A potente reunião dessas poéticas provoca sentidos inesperados em suas obras. “Endoscópio” , aparelho de César presente na exposição, nos guia pelos interstícios da galeria, nos dando a chance de desbravarmos e de sentirmos novas atmosferas. As linhas que sobram das costuras sobre papel de Szabzon conferem a suas telas algo de livre, de não domesticado, de fora do método. Assim, lado a lado, temos afortunadamente a chance de acompanhar o surgimento de coordenadas que se descontrolam e roteiros que incorporam o imprevisto. 
 
Mario Gioia

Eduardo Fernandes