GUSTAVO VON HA | O ESPELHO MÁGICO


O Espelho e o Casamento    

Sempre que no trabalho existem imagens vindas da mídia, as pessoas tendem a dizer que esta obra é Pop. Tal afirmação perdeu o sentido recentemente uma vez que se considere que a cultura de massa já tem 60 ou 70 anos, e que portanto todos os que aqui estão já nasceram pelo menos na era do rádio e do jornal impresso. Dessa maneira quase toda imagem que conhecemos ou já provem da mídia ou será brevemente absorvida por esta e por tanto faz parte da chamada cultura de massa. Isto posto, o foco de interesse se desloca para a escolha das imagens e quais estratégias discursivas o artista está propondo. 

 Nas obras que Gustavo Von Ha apresenta nesse momento existem dois assuntos que se sobressaem, são eles: o espelho e o casamento.

 O espelho aparece no processo que Von Ha utilizou na execução dessas obras, são o que ele chama de espelho mágico, nome referente a um brinquedo de desenhar, uma placa de acrílico semi-espelhado que reflete de um lado a imagem original que está do mesmo lado. O desenho é feito como se estivesse por cima do original, só que ao contrário, espelhado. David Hockney em seu livro O Conhecimento Secreto demonstrou exaustivamente como muitos artistas desde 1400 utilizaram processos óticos como ferramenta de desenho.  O espelho como elemento narcísico, duplificador, aparece na pintura desde então, mas talvez a pintura mais espelhadamente construída tenha sido "Las Meninas", 1656, de Diego Velásquez.

Não é sem motivo que Lacan associa a pintura a um jogo de espelhos e contemplação (1), onde o assunto principal se manifesta em uma relação de aberturas e fendas que culmina
no órgão genital oculto da Infanta Margarida, então com 5 anos, no centro do quadro, como uma predestinação figurada no espelho ao fundo, onde se vê a imagem futura da menina, a rainha, com seu olhar medusante (2).

 O segundo assunto que aparece em sua obra é o do casamento. É interessante notar a grande variedade de parcerias que Gustavo conseguiu construir: mulher com monstro de duas cabeças, Batman e Robin, os sete anões, princesa e príncipe, homens sozinhos, mulheres sozinhas e Sherek sozinho. Mesmo quem está sozinho no desenho parece estar procurando alguém. Num certo sentido esses noivos a procura da noiva lembram a máquina de amor que Duchamp propôs em seu Grande Vidro, 1923, como ele disse "a noiva é basicamente um motor" e o que a move é a “gasolina do amor (uma secreção de suas glândulas sexuais)(3)”.
 
 Pode parecer uma escolha natural, mas se a escolha fosse feita por outra pessoa poderiam existir outras imagens como carros, motos, esportes, animais, plantas, paisagens, insetos, máquinas, peixes, bandeiras, signos, estampas e muito mais. 

  O casamento como motor, a busca do outro, mesmo que seja no espelho, o medo do isolamento, essas parecem ser as analogias que Gustavo está colocando em seus trabalhos, muito mais complexo do que uma análise simplificadora pode produzir. A busca do outro diz muito de quem busca, "eu sou um pouco o que eu procuro", como a dupla que se forma no espelho, real e virtual.

(1) 13 Seminário Livre, O Objeto da Psicanálise, Jacques Lacan, 1965, não publicado, www.lacan.com 
(2) O Olho e a Fenda, Valêncio Xavier, Folhe de São Paulo, Caderno +Mais, 5 de Setembro, 1999.
(3) Duchamp, Calvin Tomkins, Cosacnaify, São Paulo, 2005, pag. 14.

Sergio Romagnolo, novembro de 2008.

Eduardo Fernandes