ROBERTO MÍCOLI: MINOTAURO

15.05.2025

 
 

Roberto Mícoli

Na mitologia grega, o labirinto é uma arquitetura da perda: nele, não há vista panorâmica, apenas o presente imediato de cada corredor, cada curva, cada parede. Esse espaço ambíguo, dinâmico e estagnante, palpável e virtual, se apresenta no trabalho elaborado por Roberto Mícoli ao longo das últimas cinco décadas, e é a questão central para esta exposição em que suas obras mais recentes convivem com alguns trabalhos iniciais. As linhas, os blocos de cor, os encaixes e dobras seriam os caminhos que se abrem e são interrompidos, em repetições quase obsessivas, criam um ritmo de busca e desorientação muito próprio de sua poética. Mais do que um pano de fundo, o labirinto se manifesta no trabalho de Mícoli como método compositivo e, ao mesmo tempo, como condição existencial.

Um dos trabalhos mais antigos na exposição, Minotauro, de 1989, mostra como seu repertório plástico se consolidou a partir do desenho, sobre o qual foi incorporando a pintura em tela, a costura e o bordado, os recortes e dobras na superfície têxtil do suporte, e os objetos, muitos deles brinquedos. Outro aspecto importante é a definição de um espaço construtivista que dá base para suas construções labirínticas, fortemente presente nas obras mais atuais. Essa base atravessa sua trajetória como estrutura visual e mental, porém, dela se desdobra um universo repleto de simbolismos ancestrais e referências a elementos de diversas culturas, implodindo a rigidez do concreto, da geometria e de uma pretensão hiperracional. As pontas de linha soltas e pendentes dos bordados, as cavilhas pintadas (na tela ou sobre ela), as silhuetas humanas que se interpõem como trapezistas ou equilibristas.

Há algo muito sutil no trabalho de Roberto que possibilita uma suspensão em cada imagem, talvez isso se projete do profundo diálogo que ele sustenta com o tempo dos materiais, com o tempo da busca inerente ao processo de construir e explodir a composição, sem que ela se desfaça totalmente, mantendo ainda um instante entre o cálculo e perda do controle sobre os volumes, ângulos e vetores que vão conduzir o olhar. Nesse sentido, o Minotauro, monstro isolado, prisioneiro e temido, é a energia animal e indomável que determina a construção constante desse universo labiríntico, e ele é o próprio artista, aquilo que se esconde, não sem ruídos, no centro do ser, como força obscura, vital.

Mas no jogo que cada obra encena, o artista também desempenha o papel tático de Ariadne e nos entrega um novelo de fio para desenrolar no percurso e poder encontrar a saída. No entanto, nada impele à busca sanguinária e assassina pelo Minotauro, o labirinto em si se faz o objeto de interesse — suas paredes, corredores e curvas —, a possibilidade de se perder enquanto tecendo uma paisagem de permanência pela repetição e pelo cuidado com a estrutura interna de cada obra. Os volumes e os gestos no trabalho de Mícoli não parecem tentar domar essa besta, mas talvez conviver com ela, escutá-la reverberando na matéria, nas texturas e camadas de cor que se revelam e se ocultam. Ao invés de uma saída heróica, como a de Teseu, o que sua obra propõe é a permanência no labirinto, um tipo de escuta paciente e tátil que reverbera da insistência em bordar as arestas e cantos das paredes que escondem o monstro voraz e destruidor.

Enfatizando as imagens do Minotauro, do labirinto e do fio de Ariadne, esta exposição propõe uma chave de leitura para toda uma trajetória que escolheu não se afirmar por força e impacto, mas cedendo ao silêncio e à interioridade, hesitando nas sutilezas, repetindo e se deixando atravessar pela própria gestualidade. Roberto nos reconduz a uma espécie de ritual sobre a potência em se buscar e se perder em si mesmo, conhecendo, convivendo e cuidando das diversas camadas de animalidade e humanidade acesas por dentro.

Tálisson Melo

curadoria e texto

 
 

OBRAS