MAI-BRITT WOLTHERS: DESEQUILÍBRIO
24.10.2024
Alegre, colorido, gostoso, leve. Mas também intenso, forte, inquietante. Assim vejo o trabalho de Mai-Britt. Uma mistura de barroco e concreto, duas importantes heranças da arte contemporânea brasileira. Embora tenha nascido na Dinamarca, país onde divide sua vida com o Brasil, Mai é muito brasileira. No bom humor, nas cores, na exuberância contida de seu trabalho. Não por acaso, vive no nosso país há trinta anos, onde criou seus filhos na cidade de Santos, local onde muitos paulistanos, assim como eu, passavam férias na infância.
A artista passou sua infância na Dinamarca onde conviveu com imagens e obras do conhecido grupo COBRA, criado em 1948 e que reunia artistas de Copenhagen, Bruxelas e Amsterdam) cujos trabalhos exalavam liberdade de expressão, assim como anos depois a geração de artistas dos anos 1980 no Brasil. Desde que se mudou para Santos e produzia seu trabalho em um ateliê no meio da mata atlântica, Mai vive entre o Brasil e a Dinamarca. Atualmente ocupa uma casa próxima à praia onde a luz exterior permeia o espaço do ateliê através de uma ampla janela. É notável essa mistura de culturas tão diversas e antagônicas nos trabalhos de Mai-Britt. À elegância e minimalismo da cultura dinamarquesa, une-se o gesto da pintura, depositada inúmeras vezes sobre a tela, em diversas camadas de diferentes cores e pigmentos desenvolvidos pela própria artista durante o processo. Algumas figuras quase abstratas que se nos remetem a objetos do cotidiano, animais e plantas, dão movimento e vida à bela pintura abstrata que as antecedem. Personagens que brincam no espaço levando nosso olhar aqui e ali em busca de uma narrativa. Podemos imaginar inúmeras histórias a partir das formas e cores que compõe as telas e esculturas - desde contos oníricos dos países nórdicos, aos personagens de Monteiro Lobato-, em uma palheta que mescla as cores e formas das pinturas da sueca Hilma af Klint às de Alfredo Volpi. O trabalho de Mai é, assim como seu ateliê, essencialmente sobre a vida: interior e exterior.
Temas recorrentes na história da arte como a paisagens e as naturezas mortas são revistados e trazidos à tona com o olhar aguçado e contemporâneo da artista. Uma cadeira não é exatamente uma cadeira (assim como um cachimbo também não era um cachimbo para Magritte); uma pedra pode ser leve; uma forma verde que flutua no espaço pode ou não ser uma folha. Mas as cores de sua palheta, acima de tudo, são essenciais para entendermos o processo pictórico de seu trabalho, onde o branco é o personagem principal nesta série onde a natureza morta e os objetos do cotidiano aparecem em tons de rosa, verde, preto.
As cores sempre estiveram presentes no trabalho desta notável pintora que, desde o início de sua carreira, há 30 anos, vem pesquisando como a vibração entre elas acontece em diferentes contextos. Seja por meio de uma performance que realiza com cabaças e esculturas levadas do Brasil para a Europa, a exemplo da que foi apresentada em Londres, seja em seus desenhos, esculturas e pinturas onde os diferentes tons da mata brasileira - que, dependendo da época do ano, transborda tons de amarelo, lilás, rosa – se mesclam aos tons terrosos, acinzentados e brancos dos países escandinavos. Importante lembrarmos que a Dinamarca é formada pela península da Jutlândia e de 450 ilhas, das quais 82 são habitadas e várias ligadas por pontes e, diferente do Brasil, possui uma topografia relativamente plana. Santos, por sua vez é uma cidade à beira-mar cercada por montanhas e uma grande ponte que liga o continente à ilha de Santo Amaro, onde fica o Guarujá. Algumas semelhanças? É como se Mai-Britt construísse um jardim europeu com plantas da Amazônia ou, no caso das obras aqui apresentadas, como se deslocasse uma cadeira para uma planície coberta de neve. Uma organização desorganizada. Um desequilíbrio equilibrado.
Rejane Cintrão
OBRAS