Gustavo Prata: Você não forma as frases loucas que cultiva por aí
07.09.2024
Estamos diante de uma estrutura rizomática. Caótica, ela se espraia por todos os lados. De vocação acentuadamente orgânica, não respeita geometrias, desenhos pré-estabelecidos ou projetos. Flui por onde pode, escorrendo e se agarrando por onde consegue se fixar. Esse tipo de estrutura não fala de um trabalho específico de Gustavo Prata: parte muito expressiva de sua poética se dá dessa maneira. Em alguns momentos, a impressão que se tem é de que o artista busca, em vão, estabelecer algum tipo de controle sobre algo que tem uma dinâmica completamente própria. Cabe a ele, e é aí que entra o seu papel, selecionar os ingredientes primordiais dessas estranhíssimas estruturas.
Esse tipo de formato, presente em seus “desenhos”, instalações, colagens e estruturas faz menção a formas que estão presentes na natureza nas mais variadas escalas. Seja no curso de um rio, em um corpo cósmico, numa árvore ou num microorganismo: o esquema rizomático sempre esteve lá, é quase uma lei da física, cuja organização ignora completamente a nossa existência e possivelmente um dia irá nos engolir. A matéria prima de nosso artista, todavia, de orgânica não tem (quase) nada: provém de incontáveis páginas de jornais, com os quais Gustavo revolve, recorta e vive às voltas com. Por vezes, acham-se também alguns rastros de mancha de café, bebida essa indispensável no cotidiano aceleradíssimo em que vivemos. Assim como os jornais. Ainda que esse meio de comunicação, o impresso, pareça fadado a se extinguir com o advento do digital, é de sua fisicalidade que parte o trabalho de nosso artista. Esse disparador, bem como o fazer artístico, tem lastro num gesto manual.
De todo modo, o material de Gustavo Prata remete totalmente ao nosso cotidiano. Cotidiano em que somos bombardeados por manchetes, linhas finas, chamadas, textos corridos e incontáveis laudas. A imagem aparece com menor frequência, e quando comparece faz também menção ao mundo das peças gráficas e da comunicação visual massificada e barata. Podem-se encontrar nesse oceano periodicista alusões a episódios ou figuras específicas. Fatalmente, ao contemplar essas criações, localizaremos marcos cotidianos e históricos, mas nenhum deles está propriamente no radar do artista. Até porque, de modo irreversível, tudo acaba se metamorfoseando nessas estranhíssimas e indefinidas formas orgânicas e caóticas. E é nesse momento que Gustavo parece perder as rédeas da situação. Dali pra frente, a coisa transcorre quase que sozinha. O que ele faz é fornecer os ingredientes principais.
O curioso é que, por mais que essa poética funcione de maneira biomórfica, ela lida com um tipo de elemento cotidiano que tem uma circulação tão veloz quanto a sua vida útil. A notícia tem uma existência absolutamente breve, tal qual uma xícara de café. São coisas que passam pela nossa vida com uma velocidade assustadora e, consequentemente, de forma quase despercebida. Mas para Gustavo Prata, isso chama a atenção. Existe, nessas estruturas, sobretudo quando nos debruçamos sobre seus elementos primaciais, um bombardeio de informação visual, uma nuvem de poluição gráfica e a completa ausência de formas ou elementos que nos fornecam uma configuração compositiva mais sólida. Estamos, portanto, diante de um trabalho que nos transmite freneticamente ansiedade e instabilidade. As criações de natureza espacial/escultórica por vezes são de uma fragilidade tamanha que um simples vendaval pode pôr tudo a perder e colapsar as estruturas.
É bem vindo lembrar da música de Erasmo Carlos e Nara Leão, Meu Ego. Num dado momento da letra, a dupla entoa: “há palavras, existem letras, mas você não forma as frases loucas que cultiva por aí”. De fato, Gustavo Prata entra em cena com as palavras e as letras. Mas seu jeito de rastrear como nos descomunicamos, não permite que se formem as frases loucas que cultivamos por aí.
Theo Monteiro
OBRAS